sempre imaginei, em minha infância de adulto,
que a calma era o oposto ao ir fundo,
nas coisas, pessoas, nos mundos.
acostumei-me a isso.
se a calma não fosse isso (eu pensava),
nem mesmo a isso eu me acostumava.
nem a velhice cor de laranja
dos meus 40 anos, ensinou-me diferente
(nem velho o diabo sabia o que por ser velho soubesse)
só no ato da coroação
quando muda a cor da passageira paixão
é que verte a calma,
líquida e derramadeira
enchendo o cálice do amor
de ainda pior confusão.
mas o que é isso que digo!
falava eu da calma, não é mesmo?
então que diabo de voz é essa,
que faz da calma um objeto
e dela disserta como em um texto?
isso aqui é poesia afinal,
ou um discurso em verso alternado
velando um escondido furor teatral?
o poema é distinto do dramaturgo monólogo,
que o monólogo quer, irrestivelmente,
duplicar-se em diálogo.
o logos da fala monologada
do meio do palco,
a mensagem alçada,
à plateia postada,
dispersa na arquibancada
e duplamente dialoga:
consigo mesmo e com quem for
(é a dança do ouvir-e-o-tagarelar interior,
trazendo pra tela do texto,
o que em muito de si tem o autor).
poema não fala nada, só faz.
pois quem escuta o poema
não é plateia, nem nada, nem gente, aliás.
é a própria autoria desorientada
que colhe plantadas palavras
e as traga como cenouras
cagando-as logo após
em bosta no tom avermelhada.
mas falava eu da calma, não era?
ou será a querida ouvinte,
que tomando do embuste ciência,
já perde com este sujo vate
cada quilate de sua paciência?
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