quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Leak, leak, leak / Hoje a manhã é boa
o fio desenrola de seu novelinho bem acondicionado e,
solto,
nos embaraça a todos.
leak, leak, leak, fio meu.
enreda os fio da puta no fogo fértil de prometeu.
hoje a manhã é boa
hoje a manhã é boa.
tem cheirinho de café.
tem um frango assange ao forno
de deixar o pentelho em pé.
a manhã baixo holofotes.
tradicional coffee shop.
a tradição faz fumaça
debaixo do pop, pop, pop.
facebook, dezembro de 2010
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
V
vapt e vupt
vem e volta
venerada vagabunda
vai e vem
vasto vulto
venerada vagabunda
viva volúpia
vinga a vida
venerada vagabunda
vê da varanda
o vale verde
venerada vagabunda
...
vice e versa
vide o verso
venerada vagabunda
venerada vagabunda
venerada vagabunda
vaidosa
vênus vamp
venerada vagabunda
teu veneno é vã
vacina
vacina
venerada vagabunda
verte um vallium
e vomita
...
voa à vela e sai vazada
vá, veloz, em via vesga
esvazia em vez meu vício
ver você virando um vírus
verga a vara no meu ventre
esvazia em vez meu vício
ver você virando um vírus
verga a vara no meu ventre
vaza a veia, esvai o vinho
vinca a veste, me envagina
vaticina o teu vacilo
vende à vista minha vergonha
vá, tua voz é meu vexame
você viu que eu não valia
e enviou à vala vaga
vinte vezes minha vontade
trinta vezes meus amores
nove vezes fora nada
vinte vezes minha vontade
trinta vezes meus amores
nove vezes fora nada
vinca a veste, me envagina
vaticina o teu vacilo
vende à vista minha vergonha
vá, tua voz é meu vexame
você viu que eu não valia
e enviou à vala vaga
vinte vezes minha vontade
trinta vezes meus amores
nove vezes fora nada
vinte vezes minha vontade
trinta vezes meus amores
nove vezes fora nada
...
vence a vaia
dos viados
convencidos da vitória
vira a mesa
miss Valhalla
mostra o monstro
do teu vento
varre a merda
do universo
com o vibrar dos teus arpejos
Belo Horizonte, algum dia de setembro de 2010
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Antes baixo o grito rouco
falta a tua pata em volta do meu corpo de mineiro
volta nua pro meu canto sol tatua asa leve
deixa água pro meu pranto ou me faz a vida breve
Boca: voz aberta o som me morde
marca o teu nome na face, faz teu sono me ninar
Louca: se nós passamos das horas
Louca: se nós passamos das horas
dia passa e vai, agora a lua teima em ficar
Antes ter a tua pata no meu corpo de mineiro
que gritar o grito rouco do sentir a tua falta
deixa água pro meu pranto e me torna a vida breve
ou vem nua pro meu canto sol tatua asa leve
Menina: escapa pra longe do mundo
entende fundo o deus das coisas, vá te embora e vá voltar
Menino, escapo pra longe do mundo
entendo fundo o deus das coisas, vou me embora e vou voltar
Antes água no meu pranto entornada a tua falta
antes nua no meu canto solta toada de mineiro
antes quis a tua pata em volta do meu corpo breve
hoje lanço um grito rouco antes que tua vida leve
Menino, escapo pra longe do mundo
entendo fundo o deus das coisas, vou me embora e vou voltar
Menina: escapa pra longe do mundo
entende fundo o deus das coisas, vá te embora e vá voltar
entende fundo o deus das coisas, vá te embora e vá voltar
entende fundo o deus das coisas, vá te embora e vá voltar
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
A farra do hebdomadário ilusionista
Use Veja para limpeza étnica pesada
Em João 20:24-25, são Tomé é apresentado ao Cristo revivo e duvida: “Se eu não vir o sinal dos pregos nas mãos dele ... não vou crer!”. Esse ato do apóstolo tipifica a chamada visão de mundo naturalista, nunca vista com bons olhos nos círculos da fé cristã mas cheia de adeptos em nossos tempos mais céticos. Tomé, no fim das contas, se redime, conquistando inclusive o epíteto de “o Crente” junto à cristandade. Uma nova versão do tradicional ver-pra-crer tem sido praticada com entusiasmo cada vez maior pela grande mídia e seus espectadores, e não é apresentada pelo Jack Palance. Nessa nova versão, o ato de ver (ou ler, ou ouvir, dependendo da mídia) exige a crença automática no visto ou no lido. A ironia é que, se o que reprovamos em são Tomé é a falta de fé, o pecado da nova versão é o excesso. Ou a falta de visão crítica, o que dá rigorosamente no mesmo.
Mire-se no exemplo do nossa mais badalada revista semanal - hebdomadário, como se gostava de dizer no Pasquim - que atende pelo apropriado nome de Veja. A revista bateu todos os recordes de neo-sãotomeísmo em sua matéria especial “A farra da antropologia oportunista” (edição 2163, de 05/05/2010). Não é pedir demais ver com os próprios olhos um trecho logo no início da matéria que, pode crer, diz exatamente o seguinte:
Áreas de preservação ecológica, reservas indígenas e supostos antigos quilombos abarcam, hoje, 77,6% da extensão do Brasil. Se a conta incluir também os assentamentos de reforma agrária, as cidades, os portos, as estradas e outras obras de infraestrutura, o total alcança 90,6% do território nacional. Ou seja, as próximas gerações terão de se contentar em ocupar uma porção do tamanho de São Paulo e Minas Gerais.
O texto não deixa espaço para a dúvida. Apresenta como um fato bruto, legitimado em precisos percentuais, a assombrosa notícia de que índios, quilombolas e agricultores sem-terra (que pensávamos ser a porção marginalizada do Brasil), somados à cobertura de mata virgem cada vez mais reduzida (não me pergunte como “obras de infraestrutura” entra na conta), tomaram conta do país, numa revolução silenciosa de épicas proporções. 90,6%! Tudo aquilo que aprendemos e sabemos sobre o desaparecimento das nossas florestas, sobre a saga de negros fugidos pro mato, pra ser gente, longe das compulsões da cangalha, tudo o que sabemos da histórica desigualdade fundiária brasileira, fartura de uns, fome de tantos, e, o que é mais central para este artigo, tudo o que sabemos sobre 500 anos de massacres, subjugações e humilhações dos índios no Brasil, é pura ilusão. Ou ao menos são águas passadas. Agora, devemos crer que os verdadeiros brasileiros estão acuados, à beira de serem expulsos pela massa de deserdados e pela indiada ressurgida das cinzas.
A matéria segue dando asas a uma imaginação tão fértil quanto perversa. Beckett e Ionesco eram, pelo menos, geniais. Nem de longe é o caso aqui. A desinformação descarada, aliada a um racismo de butiquim, depõe contra a inteligência não só do leitor mas dos bois-de-piranha recrutados pela Veja para assinar essa peça desteatral (o teatro, ao contrário do que diz um dos subtítulos a matéria - ver logo adiante -, não é atividade para mentirosos, muito menos para mentirosos burros). Numa redação (digamos) ousada, o texto desfila subtítulos que em minha terra seriam considerados maximamente preconceituosos, e em outras terras passíveis de pena máxima: “Os novos canibais”, “Macumbeiros de cocar”, “Teatrinho na praia” (índios fantasiando-se de índios!), “Made in Paraguai”, “Os carambolas” (os tais “supostos” quilombolas). Não há o que comentar. O visto fala por si.
Esses subtítulos, além de tudo o que são e não são em si mesmos, vêm acompanhados de fotos individualizando e ridicularizando seus alvos. E subtitulam desinfográficos, cujo teor deveria, até pros incautos, desmascarar o que está na cara. Volto a citar da fonte, que é mais divertido (mas só 3, pra não cansar):
Beneficiados: 47 famílias declarados boraris
Impacto: expulsa da área 250 famílias que não se declaram boraris e empresas que absorvem 800 pessoas.
Beneficiados: 50 famílias declaradas guaranis
Impacto: impediu a construção de um porto de 6 bilhões de reais
Beneficiados: 153 famílias quilombolas
Impacto: desapropria oito fazendas e uma olaria, causando um prejuízo de 2,5 milhões de reais a microempresários.
Entremos na dança de crer que as informações procedem, no jogo da ressignificação das palavras. “Beneficiados” vira vantagem espúria, como se se tratasse daquelas poucas vetustas famílias que, declaradas brasileiras ou não, engoliram boa parte da terra brasilis sob amparo oficial e cartorial. “Declarado” vira “mentido”, “falsificado”, como um uísque de má procedência. Só quem não se declara índio é, na falta da declaração, gente de bem. “Impacto” pega carona no campo semântico do desastre (como em “impacto ambiental”, o inverso do relatado!) e mostra o estrago (o “prejuízo”, sic) causado por índios e quilombolas à natureza da civilização. Pobres milhões, bilhões de reais. Pobres empresas, pobres portos e investimentos. Pode-se ouvir o clamor: removam as barreiras! Eliminem. Limpem.
A Veja se superou ao multiplicar neo-sãotomeísmos numa matéria só, cada um com endereço certo de consumo acrítico por parte de seus leitores (ou devíamos chamar credores?). Cada um é gravíssimo em si mesmo e dois vou só mencionar. Primeiro, a matéria joga no lixo um fundamento da prática jornalística, que é tratar fatos e pessoas reportadas como algo mais do que objetos de manipulação discursiva. Não creio em isenção total, nem em imparcialidade. Mas jornalismo tem um pé no mundo das factualidades - a fonte, como se diz -, mesmo quando assume uma causa, mesmo quando vira propaganda. Pergunte ao Goebbels. Em segundo lugar, a matéria é irresponsável em um de seus alvos, a tal “indústria da demarcação” que finge denunciar. Ao dizer que o processo demarcatório enche de dinheiro o bolso de antropólogos e índios, desrespeita covardemente toda uma classe profissional (os antropólogos, está claro) fazendo, ao mesmo tempo, a defesa velada dos interesses mais predatórios, que avançam sobre gentes e terras desde que somos Brasil (se minhas palavras não inspiram a crença, busque os dados do Incra no Google. Procure, por exemplo, “maiores latifundiários do Brasil”). Os antropólogos, e muitos outros grupos atingidos ou solidários aos atingidos, já se pronunciaram e protestaram, e deixo com eles, que são mais qualificados, a palavra sobre o assunto. Busque lá no Google, por favor.
Tudo isso é muito sério mas quero frisar uma terceira questão. Crer à primeira vista só é possível quando a mídia mostra o que queremos ver. Infelizmente, a Veja funciona muito bem para dar vasão (além de visão) aos sentimentos de uma parte da sociedade brasileira que é, basicamente, racista e reacionária. E índio é uma categoria especialmente suscetível de virar alvo desse “racismo de princípios”. A razão é que, por mais miseráveis e desarmados de suas culturas pelas frentes de civilização, por mais massacrados e humilhados, os índios sempre continuaram sendo índios. E isso nós não engolimos. Nos roemos de raiva com a insistência do índio em ser índio. Os demais povos que vieram dar no Brasil, como os muitos povos da África, da Europa portuguesa, e depois italiana, alemã, e até do Japão e do Oriente Médio (há algo mais brasileiro que um libanês?), todos, bem ou mal, se abrasileiraram, mesmo trazendo consigo suas culturas para engrossar o caldo comum. O índio não. Se já houve um ex-índio, é aquele que, filho de pai europeu e identificado com ele, guiou a mão do resto dos povos mata adentro para “fazer o Brasil”.
Darcy Ribeiro (a quem costumo ler e costumo crer), costumava dizer que índio não vira não-índio. Dizia que aquele índio de algum modo sobrevivente ao rolo-compressor civilizatório é “índio específico”, dono da própria cultura, da própria língua, do próprio corpo, de si mesmo. Que para os demais, os ditos aculturados, não há assimilação, e que a dita integração não é uma meta a se atingir mas uma realidade compulsória a se viver, em muitos casos deprimente e até fatal. Que desarmado de sua cultura, de sua língua original, o índio integrado vira “índio genérico”, forçado a viver à margem de uma sociedade brasileira astronomicamente maior e envolvente. E que ainda assim permanece índio, chamado e se chamando de índio.
Ao ridicularizar a indiada, a matéria da Veja nos dá o meio de revidar, de lavar nosso racismo tipicamente brasileiro, esse que não aceita a não-amalgamação, que não aceita a impermeabilidade à fusão estampada na resoluta identidade de índio. Veja cumpre a tarefa de limpar em nós essa estrebaria de Áugias, essa impaciência odienta, invejosa, racista afinal, ao inventar uma figura de escárnio, mais fácil de rejeitar por que é ela que é suja, é ela que é errada, é ela que é falsa. Acredite quem quiser.
Darcy Ribeiro (a quem costumo ler e costumo crer), costumava dizer que índio não vira não-índio. Dizia que aquele índio de algum modo sobrevivente ao rolo-compressor civilizatório é “índio específico”, dono da própria cultura, da própria língua, do próprio corpo, de si mesmo. Que para os demais, os ditos aculturados, não há assimilação, e que a dita integração não é uma meta a se atingir mas uma realidade compulsória a se viver, em muitos casos deprimente e até fatal. Que desarmado de sua cultura, de sua língua original, o índio integrado vira “índio genérico”, forçado a viver à margem de uma sociedade brasileira astronomicamente maior e envolvente. E que ainda assim permanece índio, chamado e se chamando de índio.
Ao ridicularizar a indiada, a matéria da Veja nos dá o meio de revidar, de lavar nosso racismo tipicamente brasileiro, esse que não aceita a não-amalgamação, que não aceita a impermeabilidade à fusão estampada na resoluta identidade de índio. Veja cumpre a tarefa de limpar em nós essa estrebaria de Áugias, essa impaciência odienta, invejosa, racista afinal, ao inventar uma figura de escárnio, mais fácil de rejeitar por que é ela que é suja, é ela que é errada, é ela que é falsa. Acredite quem quiser.
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segunda-feira, 5 de julho de 2010
La "Naranja Mecánica" acalla la soberbia del seleccionado del "Maior do Mundo"
La "Naranja Mecánica" se encargó hoy de acallar a la soberbia brasileña con un aleccionador 2-1. El seleccionado verdeamarello que llegó como favorito a cuartos de final de la Copa del Mundo vuelve a casa con el rótulo de "fracaso rotundo". El resultado es un golpe bajo para todos aquellos aficionados, periodistas deportivos y medios de comunicación del vecino país que ya se sentían campeones del mundo antes de jugar los partidos y que -en algunos casos- se burlaron incluso de Paraguay al que parodiaron en un criticado video de Sport TV de Globo.
Es también una lección de vida para aquellos que subestiman no solo a sus adversarios de turno sino que aprovechan el evento para atacar la dignidad de países vecinos. Un ejemplo concreto de ello es el especial del Mundial emitido por la cadena SportTV de la cadena Globo de Brasil, en el que se mostró ayer un video descalificando la participación albirroja en el Mundial, con ironías sobre los "atractivos" turísticos, la moneda guaraní y su gente.
Los canales de TV locales reprodujeron ayer un "corto" de Sport TV de Globo sobre la participación paraguaya dentro del Mundial y en la que busca por todos los medios denigrar nuestra cultura, nuestros atractivos turísticos, el "valor" de la moneda local en el mercado bursátil y desprecia la tarea de la albirroja en el Mundial de Sudáfrica. Es más, en el documental afirman que nuestro país solamente llama la atención por la "novia del Mundial", Larissa Riquelme.
Por si no fuera suficiente, en la última parte del video ironizan sobre nuestras comidas y nuestras costumbres, señalando en esta parte que la comida es una "maravilla" mientras pasaban imágenes de un hombre con rasgos paraguayos comiendo frituras. Además, ironizan sobre nuestros caminos “Si no le gusta el océano, Paraguay es el lugar ideal para tomarse unas vacaciones”, se escucha en una parte del relato.
Con Brasil eliminado ¿qué dirá ahora Sport TV de Globo? ¿Tendrá la suficiente humildad para la autocrítica, o seguirán con la hipocresía de vivir a espaldas de sus grandes problemas como el racismo, sus millones y millones de pobres, las matanzas, el tráfico de drogas en las favelas de Río de Janeiro y hacer creer siempre que Ciudad del Este es el oasis del contrabando cuando que es su gente la que mayor provecho saca del desorden en Triple Frontera?
Para la mayoría de los paraguayos este documental fue realmente decepcionante, por todos los vínculos que nos unen con los del país vecino. Entre ellos resaltan el gran comercio bilateral y el flujo hacia los centros turísticos del Brasil, generalmente "preferidos" por millones de compatriotas.
Esperamos que así como Dunga ya renunció, estos comunicadores al menos tengan algún rayo de dignidad y terminen por callarse. La Naranja Mecánica se encargó así de hacer justicia y dar una gran lección a quienes tienen en el corazón una rabia innecesaria hacia una nación pobre pero digna.
Todo el pueblo espera, con humildad, con todo el respeto que se merece la Madre Patria, que mañana nuestra selección pueda dar un gran saldo hacia seminales en Sudáfrica. ¡Fuerza Albirroja!
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Copa 2010 I - Pré abstinência
no 12 de julho em diante
da festa do futebol
do ópio distribuído
em cadeia mundial
que medo bater saudade
no 12 de julho em diante
de palavras tão singelas
jabulani, vuvuzela,
larissa e felipe melo
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quinta-feira, 1 de julho de 2010
Experiências Sinestésicas na Índia
Tábata Morelo Vianna*
Quando se visita um lugar a primeira idéia que temos é que veremos muitas coisas diferentes. No entanto quando vamos para algum lugar vamos com o nosso corpo todo e o que for diferente será não só diferente para a nossa visão, mas para todos os nossos sentidos. As fotografias de viagem são relatos visuais e talvez por ser o registro mais usual na nossa cultura, tendemos a fazer referência da memória pela imagem. E mesmo quando pensamos apenas na visão é possível desvincular a representação da coisa pela figura e pensar na reação sensível que desencadeia a composição da fotografia, ou mesmo da cena que presenciamos. Os elementos visuais estão carregados de sentidos e se comportam de forma relacional: as cores, os significados das cores, a ausência de certas cores, as formas, os excessos e os espaços vazios. O que reparamos em viagem é o que está em repetição com o nosso lugar de partida e o que está em negativo à nossa referência de paisagem. O que pretendo é colocar em relevo algumas formas de entender o diferente pelo contraste sensorial e, ainda, pelos significados atribuídos a essas sensações em contextos culturais diversos.
No âmbito da cor, por exemplo, podemos nos lembrar de algumas divergências de significados entre lugares diferentes. As cores mais recorrentes e que carregam mais significados são o branco, o preto e o vermelho. Na maioria das culturas o branco nos remete à paz, tranqüilidade etc., no entanto, no Japão é uma cor de luto. E enquanto o preto para nós é uma oposição ao branco, para os Egípcios não é nem, tampouco, considerado uma cor (mas sim a ausência total de cor). Aqui o azul pode significar felicidade, alegria e nos países de língua inglesa é, ao contrário, a cor da tristeza. Para muitos indianos o ocidente poderia ser chamado de sem muita cor, ou sem muita variação de cor, como se fôssemos demasiado pastéis e, ao contrário, para nós existe um excesso de variação, como se a Índia fosse demais colorida.
Outra questão marcante é a do sabor, ou da culinária. Os temperos em diversas cozinhas podem ser parecidos ou os mesmos, mas o que vai diferenciar uma da outra vai ser a combinação dos sabores. O caso do paladar é ainda mais complexo, já que envolve outros sentidos: o olfato, a visão e o tato. A Índia é famosa pela sua comida picante e pelo grande leque de temperos não tão conhecidos no Brasil, mas mesmo considerando a discrepância com os nossos hábitos alimentares poderíamos comparar o sabor agudo de algum prato indiano com o acarajé da Bahia. O gosto se desenvolve pelo hábito, pela repetição e pela sedução. Os extremos, como a pimenta, são atraentes e repulsivos ao mesmo tempo, são no mínimo intrigantes ou notáveis. A comida sem gosto, sem sal, sem algo que deveria estar ali dificilmente vai ser lembrada. Os parâmetros do que falta são construídos por uma experiência anterior, claro, então seria difícil um brasileiro dizer o que falta em um prato estrangeiro, mas é plausível que ele se expresse sobre o seu excesso.
Muito próxima à questão alimentar está a percepção dos cheiros, pois os choques culturais mais evidentes envolvem o encontro desses aspectos. O cheiro forte em uma comida ou um cheiro forte perto de comida. Explico, a combinação de certos cheiros com a idéia de se alimentar (interiorizar pela boca elementos exteriores) pode ser inconcebível em uma cultura e completamente natural em outra. Para nós, belorizontinos, a dinâmica de mistura no Mercado Central pode passar despercebida e para algum estrangeiro será, no mínimo exótica, podendo chegar a gerar um certo asco. Flores, animais vivos ou semi-vivos, almoços, bebibas, frutas, cortes-de-cabelo, o barulho de trânsito do centro, muitas pessoas de passagem, ervas-medicinais, móveis etc, etc. Em contraponto com o nosso mercado, muitos relatos de viagens para a Índia enfatizam as barraquinhas de comida em feiras ao ar livre que convivem com eventuais vacas a passeio. Os aromas também se relacionam com a espiritualidade dos povos e ativam a memória de certos ambientes religiosos. Para os católicos o cheiro de incenso pode remeter à uma certa celebração, batizado, ritual dentro da igreja. O incenso na Índia tomará outras proporções, não somente religiosas, mas também de meditação e de outros usos mais cotidianos.
O mundo ocidental tem uma tendência de suprimir o cheiro e as relações que temos com ele da nossa vida cotidiana. A isenção de odores para nós tem uma referência séptica, de que tudo está limpo e no seu devido lugar. Na Índia Antiga a ausência de cheiros era um sinal de luto, ou seja, era evidente a marca do não aroma, enquanto para nós seria muito difícil perceber essa ausência (nós lembramos do olfato apenas quando o odor está em excesso, nunca quando está em falta).
O mundo ocidental tem uma tendência de suprimir o cheiro e as relações que temos com ele da nossa vida cotidiana. A isenção de odores para nós tem uma referência séptica, de que tudo está limpo e no seu devido lugar. Na Índia Antiga a ausência de cheiros era um sinal de luto, ou seja, era evidente a marca do não aroma, enquanto para nós seria muito difícil perceber essa ausência (nós lembramos do olfato apenas quando o odor está em excesso, nunca quando está em falta).
Outra grande diferença são as escalas musicais que usamos no ocidente e que são usadas no oriente. É muito difícil para nós percebermos as nuances tonais em uma cítara, mas acredito que para os ouvidos educados para tanto não exista nem tampouco essa questão, como para nós é tranqüilo perceber as diferenças entre um dó e um ré (ainda que não entendamos de teoria musical). Continuando na questão sonora, alguns viajantes relatam que as buzinas são usadas constantemente no trânsito indiano, mas é certo que esse não é um excesso percebido pelos motoristas de lá, mas uma forma de utilizar esse recurso do automóvel. Assim, penso, se dá o uso das tão temidas “vuvuzelas” nos estádios sul-africanos, elas são barulhentas agora que são internacionais. Nosso ouvido, como os outros órgãos sensíveis, está treinado para se acostumar, selecionar e enfatizar alguns sons. Esse treino é, principalmente, cultural e a genética passa longe dessa formação.
O tato pode parecer ter menos diferenças explícitas interculturais, no entanto existe uma característica brasileira que se distancia de muitas outras culturas (tanto orientais quanto ocidentais): a de pegar. Nós nos pegamos e pegamos as coisas quase sempre, ao cumprimentar uns aos outros, ao escolher algum produto em uma loja e até mesmo para ver uma fotografia. O alcance das nossas mãos modifica a forma que nós percebemos as coisas. Um japonês evita o contato tátil com estranhos, pois através de um aperto de mãos se pode trocar energias boas ou ruins. Um europeu não entra em uma loja e toca os produtos que pretende comprar. Além dessa extensão visual pela mão, o tato também é desenvolvido culturalmente e atitudes corporais podem ter significados completamente diferentes dependendo do contexto.
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quinta-feira, 27 de maio de 2010
Biologia da libertação e Linguagem dos animais, agora no Google livros
Meus únicos dois filhos machos, os livros Biologia da libertação e A linguagem dos animais, estão agora disponíveis pra consulta no Google livros, uma bela ferramenta de busca, ou pelo menos incontornável, nesses dias de submissão (ainda) quase total da internautolândia ao Google. Pelo sim, pelo não, vai a sinopse de cada um.
Biologia da libertação: ciência, diversidade e responsabilidade (Belo Horizonte: Mazza, 2008)
O Biologia tem a participação de vários autores de que gosto particularmente - 19, no total, de 7 países diferentes - discutindo as muitas faces do biológico: os modos de descrever e as relações que estabelecemos com os objetos naturais. O livro republica as duas únicas edições do Caderno de Filosofia & Ciência do jornal Cometa Itabirano, mais 6 artigos inéditos. Parafraseando a orelha, "mais coisas rastejando na terra e voando no céu do que sonham os programas genéticos e os fatores ambientais". O livro comemorou, ainda, os 200 anos do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos da publicação de A origem das espécies.
Pra ver o Biologia no Google livros, clique aqui
Outras informações, e onde comprar: http://www.biolinguagem.com/livros.html
A linguagem dos animais & outros escritos (Belo Horizonte: Mazza, 2008)
O Linguagem reúne 40 artigos meus (um co-autorado por Alexandre Pimentel) publicados nos jornais O Tempo e O Cometa Itabirano entre 2002 e 2009. O livro está organizado em seis capítulos temáticos: Lingua-linguagem; Darwinianas; Política com ciência; Do 25 de abril ao 26 de Julio; Povos do Livro; e Nigerianas. Comum a todos os temas, a afirmação da diversidade nas culturas humanas e não-humanas e da linguagem como o espaço de sua realização. Os textos abordam questões de ciência, arte e vivências do autor, sempre na reflexão política. As ilustrações são de Tá Morelo e o prefácio de Mario Drumond.
terça-feira, 18 de maio de 2010
É natural levar vantagem, certo?
Decisões fortuitas e fatos insignificantes podem gerar conseqüências importantes e duradouras. Em sua autobiografia, Charles Darwin diz que sua mais importante viagem ao redor do mundo (em que vasculhou a costa brasileira e reuniu indícios para a teoria da seleção natural) dependeu “de uma circunstância ínfima (...) e de uma coisa tola - o formato do meu nariz”. Gerson - o Canhotinha de Ouro - brilhou no nosso futebol dos anos 60 e 70, com visão de campo e lançamentos precisos que fizeram seus companheiros de equipe, como Jairzinho, Tostão e Pelé, grandes artilheiros. Mas foi a atuação em um comercial de TV que imortalizou seu nome na forma da lei, a “Lei de Gerson”: o importante é levar vantagem em tudo. Gerson merece ser lembrado pelo que fez de grandioso, e, não, por sua ligação acidental com a lei da falta de caráter, mas nem sempre temos controle sobre os efeitos das pequenas decisões que tomamos (um tema espetacularmente tratado no filme de Tom Tykwer, “Corra, Lola, corra”).
Desvio de recursos e malas suspeitas são noticiadas hoje com uma novidade no Brasil, um pecado circunstancial do atual governo ou de seus partidos aliados. No entanto, além da lama sabidamente respingada na oposição, a popularidade e longevidade da Lei de Gerson derruba essa hipótese em definitivo. O caixa dois nas campanhas eleitorais é uma triste tradição, e precisamos de uma revolução cultural, tanto quanto trocar as raposas que tomam conta do nosso já pauperizado galinheiro. A ciência também tem sua equivalente da lei da vantagem, e, como a de Gerson, transcende as particularidades do aqui e agora. Segundo algumas teorias em voga entre os cientistas, “levar vantagem em tudo” pode ser uma característica intrínseca das interações humanas, um corolário da seleção natural em populações de organismos (as chamadas “estratégias evolutivamente estáveis”) ou até a própria lei da vida! Não escondo meu preconceito contra esses três níveis de aplicação da canalhice nas ciências naturais, mas, antes de criticar, é preciso compreender.
Darwin tem lá sua parcela de culpa no sucesso da lei natural da vantagem. A metáfora darwiniana da “luta pela existência” abriu caminho para uma série de equívocos, culminando no infeliz termo de Spencer, “sobrevivência do mais apto”. Se apenas o mais apto sobrevive, não é justo bancar o Dick Vigarista na maluca corrida pela vida? Darwin nunca quis dizer isso, mas o conceito pegou, embalado pelo individualismo da sociedade industrial. Sucesso reprodutivo diferencial virou sinônimo de competição desenfreada no mundo natural. Um desdobramento recente desse modo pouco generoso de ver a vida é a psicologia evolutiva (EP), que, entre outras pérolas, prega a capacidade inata que nós humanos temos de trapacear e evitar ser trapaceados. Nas palavras de John Tooby e Leda Cosmides, representantes máximos da EP, “debaixo de um nível de variabilidade superficial, todos nós partilhamos certas suposições sobre a natureza do mundo e as atitudes humanas em virtude de circuitos universais de racionalidade”. Traduzindo a fala pomposa de Tooby e Cosmides, agimos como agimos por uma dádiva (ou uma praga) da natureza, não por mera escolha. Perdoai os colegas faltosos, ó membros da CPI, pois eles não sabem o que fazem!
Os teóricos do espertalhão universal (ou seu oposto igualmente falacioso - o humano naturalmente moral) esquecem o componente histórico tanto de organismos quanto das relações sociais entre eles, a que chamamos contingência. Sim, há muito planejamento nas interações sociais, mas os planos se sobrepõe, e, no jargão das ciências cognitivas, os comportamentos observados “emergem” de atividades contextualizadas. Uma boa analogia é o planejamento urbano. Nomes de ruas podem seguir algum padrão, facilitando a vida de quem busca o endereço. Vejam, então, o caso de um bairro da região de Venda Nova, em BH. Algum amante da literatura decidiu dar às ruas nomes das grandes penas da língua portuguesa: estão ali imortalizados Humberto de Campos, Castro Alves, Camões. Outro, mais afeito às geografias, deu a outras ruas, aleatoriamente, nomes das grandes capitais do mundo. Como se não bastasse a curiosa mistura de literatos e cidades, um terceiro administrador (eu desconfio, com algum senso de humor) entrecruzou, em meio às fileiras de capitais, uma Rua Inglaterra, uma Rua Argentina e uma Avenida Universo!
As relações que se estabelecem nas várias sociedades de seres vivos seguem algo muito parecido, baseado na ações contingentes dos organismos - que podemos chamar de “atividade situada” - e na história particular dessas relações. Esse é o nível mais iluminador para entendemos o que acontece, e não um suposto elemento universal embutido na cabeça de cada membro da sociedade. A não ser, é claro, que queiramos responsabilizar a natureza pelas relações que estabelecemos uns com os outros, sejam elas lícitas ou ilícitas. Eu gosto de “Avenida Universo”. É um nome bem bonito, desde que todas as vias públicas não tenham esse mesmo nome, certo?
Publicado no jornal O Tempo, 07/09/05
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