quinta-feira, 1 de julho de 2010

Experiências Sinestésicas na Índia

Tábata Morelo Vianna*

Quando se visita um lugar a primeira idéia que temos é que veremos muitas coisas diferentes. No entanto quando vamos para algum lugar vamos com o nosso corpo todo e o que for diferente será não só diferente para a nossa visão, mas para todos os nossos sentidos. As fotografias de viagem são relatos visuais e talvez por ser o registro mais usual na nossa cultura, tendemos a fazer referência da memória pela imagem. E mesmo quando pensamos apenas na visão é possível desvincular a representação da coisa pela figura e pensar na reação sensível que desencadeia a composição da fotografia, ou mesmo da cena que presenciamos. Os elementos visuais estão carregados de sentidos e se comportam de forma relacional: as cores, os significados das cores, a ausência de certas cores, as formas, os excessos e os espaços vazios. O que reparamos em viagem é o que está em repetição com o nosso lugar de partida e o que está em negativo à nossa referência de paisagem. O que pretendo é colocar em relevo algumas formas de entender o diferente pelo contraste sensorial e, ainda, pelos significados atribuídos a essas sensações em contextos culturais diversos.

No âmbito da cor, por exemplo, podemos nos lembrar de algumas divergências de significados entre lugares diferentes. As cores mais recorrentes e que carregam mais significados são o branco, o preto e o vermelho. Na maioria das culturas o branco nos remete à paz, tranqüilidade etc., no entanto, no Japão é uma cor de luto. E enquanto o preto para nós é uma oposição ao branco, para os Egípcios não é nem, tampouco, considerado uma cor (mas sim a ausência total de cor). Aqui o azul pode significar felicidade, alegria e nos países de língua inglesa é, ao contrário, a cor da tristeza. Para muitos indianos o ocidente poderia ser chamado de sem muita cor, ou sem muita variação de cor, como se fôssemos demasiado pastéis e, ao contrário, para nós existe um excesso de variação, como se a Índia fosse demais colorida.

Outra questão marcante é a do sabor, ou da culinária. Os temperos em diversas cozinhas podem ser parecidos ou os mesmos, mas o que vai diferenciar uma da outra vai ser a combinação dos sabores. O caso do paladar é ainda mais complexo, já que envolve outros sentidos: o olfato, a visão e o tato. A Índia é famosa pela sua comida picante e pelo grande leque de temperos não tão conhecidos no Brasil, mas mesmo considerando a discrepância com os nossos hábitos alimentares poderíamos comparar o sabor agudo de algum prato indiano com o acarajé da Bahia. O gosto se desenvolve pelo hábito, pela repetição e pela sedução. Os extremos, como a pimenta, são atraentes e repulsivos ao mesmo tempo, são no mínimo intrigantes ou notáveis. A comida sem gosto, sem sal, sem algo que deveria estar ali dificilmente vai ser lembrada. Os parâmetros do que falta são construídos por uma experiência anterior, claro, então seria difícil um brasileiro dizer o que falta em um prato estrangeiro, mas é plausível que ele se expresse sobre o seu excesso.

Muito próxima à questão alimentar está a percepção dos cheiros, pois os choques culturais mais evidentes envolvem o encontro desses aspectos. O cheiro forte em uma comida ou um cheiro forte perto de comida. Explico, a combinação de certos cheiros com a idéia de se alimentar (interiorizar pela boca elementos exteriores) pode ser inconcebível em uma cultura e completamente natural em outra. Para nós, belorizontinos, a dinâmica de mistura no Mercado Central pode passar despercebida e para algum estrangeiro será, no mínimo exótica, podendo chegar a gerar um certo asco. Flores, animais vivos ou semi-vivos, almoços, bebibas, frutas, cortes-de-cabelo, o barulho de trânsito do centro, muitas pessoas de passagem, ervas-medicinais, móveis etc, etc. Em contraponto com o nosso mercado, muitos relatos de viagens para a Índia enfatizam as barraquinhas de comida em feiras ao ar livre que convivem com eventuais vacas a passeio. Os aromas também se relacionam com a espiritualidade dos povos e ativam a memória de certos ambientes religiosos. Para os católicos o cheiro de incenso pode remeter à uma certa celebração, batizado, ritual dentro da igreja. O incenso na Índia tomará outras proporções, não somente religiosas, mas também de meditação e de outros usos mais cotidianos. 

O mundo ocidental tem uma tendência de suprimir o cheiro e as relações que temos com ele da nossa vida cotidiana. A isenção de odores para nós tem uma referência séptica, de que tudo está limpo e no seu devido lugar. Na Índia Antiga a ausência de cheiros era um sinal de luto, ou seja, era evidente a marca do não aroma, enquanto para nós seria muito difícil perceber essa ausência (nós lembramos do olfato apenas quando o odor está em excesso, nunca quando está em falta).

Outra grande diferença são as escalas musicais que usamos no ocidente e que são usadas no oriente. É muito difícil para nós percebermos as nuances tonais em uma cítara, mas acredito que para os ouvidos educados para tanto não exista nem tampouco essa questão, como para nós é tranqüilo perceber as diferenças entre um dó e um ré (ainda que não entendamos de teoria musical). Continuando na questão sonora, alguns viajantes relatam que as buzinas são usadas constantemente no trânsito indiano, mas é certo que esse não é um excesso percebido pelos motoristas de lá, mas uma forma de utilizar esse recurso do automóvel. Assim, penso, se dá o uso das tão temidas “vuvuzelas” nos estádios sul-africanos, elas são barulhentas agora que são internacionais. Nosso ouvido, como os outros órgãos sensíveis, está treinado para se acostumar, selecionar e enfatizar alguns sons. Esse treino é, principalmente, cultural e a genética passa longe dessa formação.

O tato pode parecer ter menos diferenças explícitas interculturais, no entanto existe uma característica brasileira que se distancia de muitas outras culturas (tanto orientais quanto ocidentais): a de pegar. Nós nos pegamos e pegamos as coisas quase sempre, ao cumprimentar uns aos outros, ao escolher algum produto em uma loja e até mesmo para ver uma fotografia. O alcance das nossas mãos modifica a forma que nós percebemos as coisas. Um japonês evita o contato tátil com estranhos, pois através de um aperto de mãos se pode trocar energias boas ou ruins. Um europeu não entra em uma loja e toca os produtos que pretende comprar. Além dessa extensão visual pela mão, o tato também é desenvolvido culturalmente e atitudes corporais podem ter significados completamente diferentes dependendo do contexto. 

As características sinestésicas que percebemos em viagem dependem da nossa capacidade ou habilidade cultural de distinção que é conduzida pela linguagem e formada anteriormente. A viagem é uma experiência de contraste e reconhecimento do parecido.  

* Aluna da FALE/UFMG e da Escola Guignard/UEMG - Trabalho apresentado na Jornada de Estudos Indianos - perspectivas sócio-culturais - UFMG, 30 de junho de 2010 - Coord. Carlos Gohn

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